Mara Gama

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País precisa ter coleta de orgânicos para avançar

Quem diz é o autor da primeira lei municipal da compostagem, vereador Marquito (PSOL), de Florianópolis

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Aprovada em abril em Florianópolis, a primeira lei da compostagem brasileira está servindo de inspiração para outras cidades e estados, entre eles Paraná e Santa Catarina. “Ela é inédita e simples. É um bom instrumento. Tem uma concepção sistêmica, que valoriza a gestão comunitária e a coexistência de vários tipos de compostagem”, diz seu autor, o vereador Marcos José de Abreu, Marquito (PSOL).

Centro de compostagem em Florianópolis, aonde resíduos orgânicos são levados
Primeira formação de gestão comunitária e agricultura urbana com a Revolução dos Baldinhos - Arquivo Instituto Çarakura/ Maiara Sestari Bersch

A lei 10.501 institui “a obrigatoriedade da destinação ambientalmente adequada de resíduos sólidos orgânicos por meio dos processos de reciclagem e compostagem” e prevê incentivos à compostagem doméstica e comunitária. Além disso, que sejam viabilizados sistemas de coleta domiciliar. Fica proibida também a destinação desses resíduos orgânicos aos aterros sanitários e à incineração no município. O projeto também prevê a coleta em três frações.

Recentemente, a lei recebeu emenda para regulamentar que a proibição de depósito de orgânicos em aterros sanitários – ponto crucial – siga um cronograma progressivo: no primeiro ano, 25%; no segundo, 50% e os 100% até 2030.

Desde maio, esta coluna publica uma série de entrevistas com pessoas envolvidas na reciclagem no Brasil. Já foram entrevistados Carlos Silva Filho, diretor-presidente da Associação de Empresas de Limpeza Pública (Abrelpe); Carlos Rossin, diretor de Relações Institucionais e de Sustentabilidade do Sindicato Nacional das Empresas de Limpeza Urbana (Selur);  Elisabeth Grimberg, coordenadora da área de Resíduos Sólidos do Instituto Pólis e membro da Aliança Resíduo Zero Brasil; Victor Bicca, presidente do Compromisso Empresarial para a Reciclagem (Cempre), e diretor da Coca-Cola Brasil; e Fabiana Quiroga, diretora de reciclagem e economia circular da Braskem.

Dando sequência à série, segue a entrevista com Marcos José de Abreu.

Como analisa o atual estágio da reciclagem no Brasil?

Atual estágio de reciclagem no brasil é péssimo. Atribuo em parte à uma grande força econômica e política das empresas privadas ligadas à limpeza urbana e às das disposições finais, os aterros. Vejo um lobby muito grande, porque a limpeza urbana está entre os cinco principais gastos das cidades do Brasil e, nas cidades grandes, está entre os três principais gastos. Atribuo também ao fato de o país não ter conseguido avançar na Política Nacional dos Resíduos Sólidos (PNRS), principalmente no quesito da responsabilidade compartilhada entre os geradores de resíduos: a indústria, o vendedor e o consumidor. O fato de não ter feito os acordos setoriais e não ter garantido a logística reversa suficiente. As empresas produtoras e comercializadoras de embalagens e outros produtos poderiam estar contribuindo amplamente com a reciclagem. E não estão. E aí fica a cargo ou dos municípios ou de iniciativas autônomas. Esse eu considero um prejuízo.

Qual a melhor forma de aproveitar os resíduos orgânicos no país?

Quando a gente fala resíduos, tem de considerar os resíduos orgânicos são considerados na PNRS como resíduos recicláveis. Eles não são rejeitos, como é amplamente divulgado. A gente tem de colocar na nossa concepção que os resíduos orgânicos, que são uma parcela considerável, em geral 50% do resíduo total gerado numa cidade e também no produzido por uma pessoa, ele é orgânico e ele é reciclável, não é rejeito. Para avançar, a gente tem de trazer uma concepção agronômica e sistêmica, valorizando esse resíduo orgânico, olhando como recurso e não como um resíduo fim que tem de ser tratado num equipamento fim - como um aterro sanitário. Ele é, na verdade, um gerador de fertilidade de solo, microbiológico, serve para a recuperação de áreas degradadas e para a produção de alimento.

Para poder valorizar o resíduo orgânico, precisamos coletá-lo com a separação na origem. Não pode ser um material de coleta indiferenciada para ser triado depois. Ele é uma fonte de recursos SE for feita uma coleta seletiva.  Para alavancar isso, a gente tem de pensar em sistema de coleta seletiva de orgânicos nas cidades, os municípios têm de implementar sistemas de incentivo à compostagem doméstica. E temos componentes para isso: as podas de verdes e gramas e os resíduos orgânicos alimentares.

Quais os passos mais importantes para melhorar a reciclagem?

Em primeiro lugar, fazer e garantir os acordos setoriais de logística reversa. Em segundo, ter estratégias descentralizadas de gerenciamento de resíduos sólidos, evitando trajetos longos, tratando localmente através das cooperativas, com associações de catadores e com empreendimentos de economia solidária, entre outros. Um terceiro ponto seria a valorização dos resíduos orgânicos através da compostagem. E fazer isso de forma descentralizada e onde os sistemas convivam, como a compostagem doméstica, com minhocários, a coleta seletiva de resíduos orgânicos, a gestão comunitária e o incentivo à compostagem institucional em unidades escolares, centros de saúde entre outros.

Em abril, foi lançado o Programa Nacional Lixão Zero e assinada uma portaria que disciplina a recuperação energética dos resíduos sólidos urbanos. Poderia comentar essas medidas?

Me preocupa a atual política ambiental, com uma visão que questiona os dados sobre aquecimento global, as mudanças climáticas. Também me preocupa a não valorização dos trabalhos da sociedade civil organizada, através dos seus instrumentos de participação e controle social, de construção de políticas públicas participativas. Isso nos coloca num lugar muito ruim. É preocupante que o programa Lixão Zero tenha por dentro uma aposta de incineradores. O ministro lançou o programa nessa concepção de incinerador como garantia de lixo zero. Nós não temos hoje legislação suficiente no Brasil para garantir ou medir os impactos ambientais desses equipamentos. Isso é muito ruim. Além disso, há vários estudos demonstrando que, no Brasil, a incineração é inviável, porque temos uma alta concentração de resíduos orgânicos e uma baixa concentração de resíduos de alta combustão. Se acontecer a incineração no Brasil a gente vai ter de queimar materiais como papel e papelão, de alta combustão, e madeira de plantio. Ambientalmente é uma péssima ideia.  E ela estimula o consumo e a produção de resíduos, pois não importa a quantidade. Quanto mais tiver resíduos para queimar melhor é para a indústria da incineração.

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